Era E.L.A

O diagnóstico foi proferido há menos de um ano, mas meu dissabor era proporcional a uma década. Se ainda tivesse um calendário no teto, talvez pudesse precisar melhor – não faz diferença. O teto, aliás, está cada dia mais monótono; seu branco, puro e pacificador, é quase insuportável.

Lembro-me perfeitamente daquela jornada a serviço, naquela cidadezinha à beira do rio. Recordo nitidamente a silhueta do dono da pousada, um oriental espantadiço, certamente mais assustador em vida do que quando virasse fantasma. Certamente muito menos assustador do que eu, neste presente. Foi após aquela viagem que recebi a notícia, embora ainda imprecisa.

Os médicos são profissionais admiráveis! Há muita grandeza em salvar vidas, lutar com todas as forças, passar noites em claro e estudar. Nada de sorte: estudo. Que a sorte acompanhe os doentes, porque os galenos são adeptos mesmo é da competência. Na faculdade, muitas ciências; depois, residência; especialização; subespecialização. E depois de uns 10 ou 12 anos, são mestres em outra coisa: falar que você está doente, mas com outras palavras. Foi o que me disseram, coitados, esses mestres dos eufemismos e das sentenças irrecorríveis.

Não vou descrever meu cotidiano. Ele não é interessante para quem consegue ir ao banheiro sozinho, pegar um lápis ou digitar um texto. Ou seja, não é interessante para 99,999 % da população mundial – o restante, doentes como eu, não conseguirão ler de qualquer forma. Nem sei o porquê de estar piscando este texto. Que fique registrado minha agonia, meu respeito pelos doutores e minha fé.

Esclerose lateral ami… não é fácil lembrar o último e maldito nome. Não tem cura e é progressiva. Essas reticências são três pontos finais.

#Tristeza

Renan Milaré